O RAPTO DE PROSÉRPINA, DE GIAN LORENZO BERNINI: O GRITO DO MITO

Imagem: cafecomexpressao.blogspot.com

Por Maura Voltarelli

Houve um rapto, talvez de todos o mais célebre, lindamente retratado pelo artista do barroco italiano Gian Lorenzo Bernini em sua arte de dar forma, vida e movimento ao mármore. Diz o mito que enquanto colhia flores, a bela Perséfone, então ainda donzela, em sua fase Koré, foi raptada por Hades, o deus das sombras, senhor do reino dos mortos, no momento em que retirava da terra uma flor de narciso.

Hades, há muito apaixonado pela beleza da jovem deusa filha de Zeus e Deméter (a deusa das colheitas, da terra), então rapta Perséfone e a conduz ao fundo da terra. Os gritos de Perséfone no momento da captura só são ouvidos por Hécate, a deusa lunar, ligada aos mistérios noturnos.

Deméter, incomodada com o desaparecimento de Perséfone, é avisada por Hécate do rapto da filha e decide interceder junto a Zeus para que este convencesse Hades a devolvê-la à terra, que então já se encontrava devastada pelo frio e pela seca, castigo lançado por Deméter em razão de sua ira.

Diante da devastação da terra, Zeus decide interceder em favor de Deméter junto a Hades. No entanto, Perséfone estaria condenada a nunca mais poder habitar totalmente o mundo dos vivos, pois comera a fruta proibida das profundezas, que a ligava eternamente àquele domínio: a romã.

Perséfone poderia estar na terra apenas durante um tempo, mas depois teria que regressar ao hades, ocupando, dessa forma, os dois domínios, vida e morte, sendo um eterno trânsito e ponto de comunicação entre eles.  A primavera marca justamente a volta de Perséfone à terra, já o inverno e o outono sinalizam o seu retorno ao hades.

Nas profundezas, a antiga Koré se faz rainha, amadurecida pelo aprendizado da sombra. Hades e Perséfone seguem apaixonados, a brandura e clemência da deusa aplacando muitas vezes a ira do amado, intercedendo em favor de muitos mortais que por lá passam.

Imagem: charcofrio.blogspot.com

A escultura de Bernini conseguiu, e isso faz dela uma obra-prima, retratar o impulso de amor e morte que fez Hades raptar Perséfone. Os dedos, fincados sobre o corpo da jovem deusa, revelam a dimensão do seu amor, quase um desespero, e transparecem algo de profundamente erótico. Erotismo e desejo que atravessam as obras de Bernini, como se vê na também célebre escultura “O êxtase de Santa Teresa”.

“O Rapto de Prosérpina” nos chega como uma obra de arte que faz viver o mito, respirar os deuses no centro de um mundo dominado pela Razão e pelas entidades platônicas (Renascimento). Os deuses de repente voltam, regressam, com toda força, como se nunca antes tivessem ido, talvez porque de fato eles nunca foram. Guardam-nos à espreita, vigilantes, imortais.

 

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  8. Belíssimo: a Arte nos carrega para o nosso mundo pessoal na melhor parte. o artista tem um dom Maria Luiza Martins

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